Há 17 anos, sobrevivente do cancro da mama
Há 17 anos, sobrevivente de câncer de mama grave compartilha experiências na web
Por Katherine Russel Riche The New York Times
"Todos os anos, em janeiro – mais precisamente no dia 15 –, visito um site e posto uma mensagem para centenas de mulheres que eu nunca vi, dizendo, basicamente “Ainda estou aqui”.
Em poucos dias, um coro ensurdecedor aparece: 200 vozes, 300. Algumas perguntam: “Como pode isso?” Às vezes, elas dizem “Estou chorando”. Muitas respondem na mesma moeda: “Também estou aqui. Faz três anos”. “Cinco anos”. “Três meses”. “Sete”.
O que estamos fazendo, de certa forma, é verificar uma luz na escuridão.
Hoje, provavelmente não existem muitos sites onde a declaração de que você está vivo e respirando causaria algum efeito em alguém, quanto mais uma resposta. Mas este é um site para pessoas com câncer de mama estágio 4, algo que tive há 17 anos. A expectativa de vida média com esse diagnóstico é de 30 meses. Assim, é quase como se eu dissesse que tenho 172 anos: aparentemente impossível. Mas não é.
Descobri que tinha a doença em 1988, e ela foi novamente diagnosticada como estágio 4 em 1993. São 22 anos no total. Por isso, todos os anos eu posto no aniversário do dia em que fiquei sabendo que meu câncer tinha voltado: para que as mulheres saibam que isso acontece, que as pessoas podem, sim, viver com isso durante anos.
Eu digo a elas que, quando o câncer voltou, ele veio tão rápido, se espalhou tão depressa, que me disseram que eu teria um ano ou dois de vida. Em alguns meses, a doença se tornou cruel. Ela começou a quebrar ossos do meu corpo, a ponto de quase cortar minha espinha.
Nada funcionava, até que um médico tentou um tratamento hormonal que quase ninguém usava, e o câncer deu meia-volta e se retirou, resmungando. Ele continua ativo, mas preguiçoso. De vez em quando, ele entra em cena; quando isso ocorre, trocamos de tratamento e ele recua. Assim, eu continuo vivendo.
Eu digo a elas: A gente simplesmente não sabe.
Dois anos e meio depois do diagnóstico de câncer de mama estágio 4, confessei a minha mãe que os médicos tinham dito que eu teria dois anos de vida, no máximo. Eu tinha mantido em segredo essa informação, pois, se você fala, isso acaba acontecendo. Eu contei a situação rindo, como se estivéssemos contando histórias absurdas. “Bem, acho que você vai ter que esperar se cumprir esse prazo”, ela respondeu, com seu sotaque sulista, quando contei a ela sobre meu “prazo de validade”.
Passei os cinco anos seguintes esperando com ansiedade; depois, mais cinco anos. Eu executava todas as promessas de Ano Novo, do passado e do futuro, tudo de uma vez. Larguei o trabalho que tinha ficado chato e me tornei escritora. Escrevi um livro. Fui para a Índia, me apaixonei pela língua de lá. Depois, voltei lá para morar, fiquei um ano e aprendi híndi. Não percebi que o motivo pelo qual passei a não gostar daquele Lance Armstrong exageradamente vencedor era que seu comportamento era familiar demais para mim. Tire um cochilo, Lance! Eu pensava isso, mas na verdade eu mesma não conseguia tirar um cochilo.
Porém, se eu estava consumindo a vida em quantidades radicais, havia um motivo: ninguém tinha me dito que eu não morreria tão cedo. Depois de 12 anos, meu médico finalmente disse isso.
Impossível prever
Existe uma pequena subcategoria de pessoas com câncer de mama estágio 4, ao que parece, que vivem anos e anos. “Vinte, trinta”, disse meu médico, George Raptis. Esse grupo constitui cerca de 2% de todos os casos.
Os médicos não conseguem prever quem cai nessa categoria. Eles não sabem dizer se você faz parte desse grupo até que você já esteja nele – até que você tenha acumulado as milhas necessárias.
O motivo pelo qual eles não conseguem saber é que, apesar das campanhas quase sensacionalistas das fitinhas cor de rosa, apesar das centenas de milhões de dólares investidos na pesquisa sobre o câncer de mama, quase ninguém analisou o porquê dessa sobrevivência tão prolongada; nenhum médico se especializou nessa área.
Aqui está um resumo do que se sabe: as pessoas desse grupo tendem a ter uma doença que se espalha para o osso (não para o pulmão ou fígado, por exemplo) e se alimenta de estrógeno. Elas tendem a reagir bem a tratamentos hormonais. Fim da história.
No entanto, como Dr. Gabriel Hortobagyi, do M.D. Anderson Cancer Center, em Houston, me disse, também podemos encontrar mulheres cujo câncer de mama se espalha para órgãos além dos ossos, para quem a terapia hormonal não funciona, que tiveram suas lesões cirurgicamente removidas e que estão livres do câncer há 30 anos. Nenhuma dessas mulheres esperava viver tanto.
Não sabemos – e, infelizmente, nem os médicos sabem.
A Dra. Susan Love, cirurgiã das mamas, me disse que uma razão é que “muitos testes clínicos são financiados por empresas farmacêuticas por cinco anos”, obviamente um tempo insuficiente se você está pesquisando sobre sobreviventes no longo prazo. Porém, através de seu instituto, o Dr. Susan Love Research Foundation, ela começou a conduzir uma pesquisa nesse sentido.
A Dra. Love afirmou ter se inspirado num colega. Ele disse à médica que, na Segunda Guerra, especialistas em avião focavam em aeronaves que caíam, até que alguém disse: “Por que não estudamos aviões que permanecem no ar?” A Dra. Love acredita na esperança de cura.
Esperança
No site, digo às mulheres o quanto acredito que não existem falsas esperanças: toda esperança é válida, até mesmo para pessoas como nós, até quando a esperança já não parece mais ter lógica.
A própria vida não é lógica, eu digo. Ninguém pode afirmar, com total autoridade, o que vai acontecer – com o câncer, com um trabalho duvidoso, com todas as mudanças de sorte –, então é melhor se prender a qualquer luz que apareça no caminho.
Escrevi para elas (e para mim) que, obviamente, é difícil: a espera para ver, nos exames, se as sombras estão se multiplicando, a dor física, os surtos.
“Mas também existe alegria nessa vida”, eu digo, “e isso é importante lembrar. Esta doença não nos invalida. No ano passado, tive a alegria de me apaixonar pelos filhos da minha irmã, que mora muito longe e quem eu não tinha tido a chance de conhecer. Publiquei um segundo livro, no qual trabalhei por 8 anos, sobre ir à Índia com câncer de mama estágio 4. Também tive muitos momentos de alegria este anos, mas quando estou numa fase negra, esqueço tudo isso”. Então, peço que elas escrevam sobre os momentos delas, e as luzes começam a brilhar.
“Fiz uma festa do pijama com minha amiga mais antiga, rimos a noite toda, de pijama igual, relembrando os velhos tempos”.
“Fiquei em segundo lugar numa competição de bridge”.
“Fiz uma viagem maravilhosa e fui acampar com minha família”.
“Ver minha filha mais velha ficar mais alta que eu”.
Uma coisa que eu nem penso em dizer: quando me disseram que eu teria um ano ou dois de vida, eu não queria nada do que as pessoas esperariam: nenhuma viagem incrível às ilhas Galápagos, nenhuma refeição perfeita no Alain Ducasse, nenhum Maserati vermelho. Tudo que eu queria era minha vida normal de volta – pois a vida comum (isso se tornou extremamente claro) é mais valiosa do que qualquer outra coisa.
Não penso em dizer isso, nunca direi. As mulheres do site já sabem."
5 Comments:
Olá Isa, boa tarde.
Lindo texto e grande lição de vida.
Bom resto de domingo e feliz semana.
Beijinhos.
Hoje, dia 10, faz um ano que morreu a minha prima Málu - de repente, não foi cancro, as pessoas morrrem de outras coisas - e é véspera do dia em que faz 3 anos que morreu a minha prima Cláudia.
Até na quase coincidência de datas tudo isto foi difícil de gerir.
Por causa de um incidente que aqui se passou há um ano, decidi que não colocaria aqui mais nenhum post na qualidade da administradora do blogue. Mas nunca deixei de aqui vir, muito regularmente, visitar o blogue. Já não é o Superglamorosas que eu criei, mas reconheço - e presto homenagem àquilo em que se transformou - que se transformou num espaço útil para muitas pessoas
:)
Linda lição de vida
Obrigado mais uma vez por trazerem estes depoimentos ao nosso conhecimento,faz com que nos sintamos mais fortes e com mais esperança.
Adorei.
Beijinhos e uma óptima semana.
Um grande, grande beijo, Cláudia. Na testa.
Lindo texto!
Obrigado pela partilha Isalenca!
bjs
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